
O impacto da COVID-19 nos doentes oncológicos e no IPO
Tem sido recorrente a ideia de que a pandemia de COVID-19, ainda em curso, impactou negativamente na sobrevivência dos doentes com cancro. É uma verdade, um facto, mais do que uma ideia.
A COVID-19 é uma doença viral com prognóstico pior em doentes imunocomprometidos e potencialmente mortal em doentes com cancro. Pior ainda em idosos e, como todos sabemos, a maioria dos doentes com cancro é idosa. A primeira “versão” do vírus causador da COVID-19, o SARS-CoV-2, era mais agressiva do que é hoje e ceifou a vida a muitos dos nossos doentes, aqui também no IPO Lisboa.
A mortalidade e doença produzidas pelo vírus justificaram todas as medidas que tiveram de ser tomadas, apesar de muito disruptivas e incómodas, em especial as que limitaram o acesso de doentes, acompanhantes e visitas, a locais de maior risco de disseminação viral. Foi preciso adiar e interromper tratamentos de doentes infetados ou expostos a infeção, a boa prática em tudo o que concerne infeções ativas e tratamento de cancro. Entre os riscos de adiar tratamento ou matar com o tratamento, procurámos optar pelo primeiro. A experiência, o bom senso e as recomendações internacionais assim o aconselharam. Tornou-se necessário impedir visitas a doentes internados, os mais frágeis de todos, e limitar a presença de acompanhantes nas consultas e exames complementares de diagnóstico. Grande parte destas restrições, embora mais mitigadas, ainda se mantém. É preciso que assim seja. A pandemia não passou! Ainda é cedo para tirar máscaras de proteção facial e baixar a guarda. Nunca será tempo para descurar a higiene, a lavagem regular das mãos em particular.

«As estruturas físicas e humanas foram o cerne do combate à COVID. No caso do IPO Lisboa, a nossa luta foi muito difícil e desigual.»
Estamos certos de ter salvo muitas vidas com o que fizemos e deixámos de poder fazer, sem perder a noção de que mesmo assim houve mortes que não teriam acontecido sem a COVID-19. Sabemos que a nossa estrutura em pavilhões, vetusta e já inadequada, não favoreceu os arranjos que tiveram de ser feitos nos circuitos e na criação de improvisadas “salas de espera” que se montaram às portas, expondo doentes à chuva, frio e sol. Compreendemos o esforço dos nossos serviços de atendimento no local, incluindo o dos funcionários de segurança que têm servido o IPO Lisboa como se este também fosse uma parte da empresa de que são trabalhadores. Percebemos a frustração daqueles a quem tornámos a vida ainda mais difícil. Lamentamos o sofrimento que não pudemos evitar.
E também houve, ainda há, atrasos decorrentes das faltas do pessoal que foi adoecendo e que só não foram piores porque os saudáveis souberam sempre colmatar as baixas dos doentes. Tem sido um esforço de solidariedade entre colegas que nos deve deixar orgulhosos. Acredito que passámos para lá do nosso ponto teórico de quebra de “resistência”.
Acresce também que, na disrupção de todo o sistema de saúde, tivemos atrasos no diagnóstico, incluindo os de rastreio e referenciação de doentes. Houve adiamentos em cirurgias e meios de diagnóstico imagiológicos e invasivos. Tudo fizemos para não perder consultas, sendo certo que alguns doentes tiveram de faltar por estarem infetados. Com pessoal doente e necessidade de aumentar a distância entre doentes, num hospital antigo como o nosso e ainda constituído por enfermarias na maioria dos espaços de internamento, foi inevitável reduzir a capacidade de tratamento e internamento. Mas tudo estamos a tentar recuperar. Com mais pessoal, muito mais faríamos.
Vários estudos nacionais e internacionais têm tentado avaliar os impactos da COVID-19 em oncologia. Todos concordam que há, falo no presente, impactos imediatos e haverá impactos tardios de dimensão ainda por calcular. Mas há unanimidade em outra coisa. As estruturas, físicas e humanas foram, muito mais do que a tecnologia terapêutica, escassa ou inexistente, o cerne do combate à COVID-19. No caso do IPO Lisboa, a nossa luta foi muito difícil e desigual.
Não sei se ganhámos ao SARS-CoV-2, mas acho que empatámos. No ciclo pós-COVID-19, com a pandemia de cancro em expansão constante, vamos precisar de ainda mais “resistência”, o que passará por construção de um novo edifício e estruturas renovadas, mais e melhor habilitadas.
Temos feito, como esta newsletter mais uma vez comprova, a nossa parte. Nunca parámos. Mas já não nos chegam agradecimentos e reconhecimentos. Basta de promessas. Tem sido recorrente a ideia de que o IPO Lisboa precisa urgentemente de uma intervenção prioritária, vultuosa e duradoira. É uma verdade, um facto, mais do que uma ideia.