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10 de Novembro 2022

Saber mais sobre os tumores neuroendócrinos

Raros e de difícil diagnóstico. Isabel Claro, médica e diretora do Serviço de Gastrenterologia do IPO Lisboa, chama a atenção para estes tumores.​

​Os tumores neuroendócrinos​ são raros, embora o número de casos diagnosticados tenha vindo a aumentar. Atualmente estima-se o surgimento de cinco novos casos por 100 mil habitantes por ano. Têm origem nas células neuroendócrinas (capazes de produzir e libertar hormonas e neurotransmissores no sangue) que se encontram em quase todos os órgãos e geralmente crescem devagar.

 

Cerca de dois terços destes tumores desenvolvem-se no aparelho digestivo: estômago, duodeno, intestino delgado, cólon, reto, apêndice e pâncreas. O terço restante é detetado no pulmão. Fazem ainda parte deste grupo o carcinoma medular da tiroide, os parangangliomas e os feocromocitomas​.​​

 

Para alertar a população, bem como os profissionais de saúde para a doença, estabeleceu-se a data 10 de novembro como o Dia de Sensibilização para os Tumores Neuroendócrinos. No Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO Lisboa) os doentes com este diagnóstico são avaliados em consulta multidisciplinar, que reúne várias especialidades, criada já em novembro de 2009.

 

“Os tumores neuroendócrinos são um grupo muito heterogéneo de tumores”, explica a médica Isabel Claro, diretora do Serviço de Gastrenterologia do IPO Lisboa. Alguns são detetados através de exames de diagnóstico como por exemplo, no caso do estômago, uma endoscopia realizada por outro motivo. “Muitos dos que se desenvolvem no reto também são detetados quando de faz colonoscopia de rastreio.”​​​

 

Quase sempre assintomáticos

 

A especialista acrescenta que, na grande maioria dos casos, estes tumores são assintomáticos, são os chamados “não funcionantes” e, portanto, “detetados muitas vezes no contexto de queixas inespecíficas”. Os “funcionantes” são aqueles que têm manifestações clínicas como diarreia ou ‘flushing’ (rubor cutâneo): “Os episódios de ‘flushing’, ficar vermelho como se fosse um afrontamento, se forem associados a uma diarreia são sintomas que têm alguma especificidade. Mas a diarreia, só por si, não”.

 

No caso dos tumores do pâncreas, prossegue, “há um em particular – o insulinoma – em que há um excesso de produção de insulina e isso manifesta-se por episódios de hipoglicémia. Se o açúcar baixar muito, as pessoas podem inclusivamente entrar em coma. Mas são situações raras”.

 

Aliado à falta de sintomas, a doença é transversal ao género, ou seja, afeta igualmente homens e mulheres, e o seu aparecimento não é mais frequente nas idades mais avançadas como acontece com outras doenças oncológicas. “Não é como os outros tumores, em que a idade habitual é a sexta ou a sétima década de vida”, sublinha. Devido à sua raridade e poder ser confundido com outras doenças, o símbolo escolhido para estes tumores foi uma zebra – cujo som dos cascos pode ser confundido com o som dos cavalos.

 

“A nossa consulta multidisciplinar, que faz agora 13 anos, começou justamente pela necessidade que sentíamos de discutir em conjunto algumas situações que, por serem pouco frequentes, nos ofereciam dúvidas sobre a melhor forma de tratamento”, conta a médica que coordenou a consulta durante 12 anos. Agora cabe ao Serviço de Oncologia Médica, dirigido pelo médico António Moreira, a sua coordenação.

Tratamentos diferentes ao longo do tempo

 

O tratamento dos tumores neuroendócrinos é diferente, varia de acordo com as características que cada um apresenta. “Para o tubo digestivo, nomeadamente estômago, duodeno e reto, muitas vezes é possível a remoção do tumor apenas com endoscopia”, refere Isabel Claro. “Quando não é possível, a cirurgia é, de facto, uma parte importante”, diz.

 

No entanto, se ficar doença residual, ocorrer uma recidiva (retorno da doença) ou não se conseguir fazer a ressecção do tumor “por haver envolvimento de vasos sanguíneos ou de estruturas nobres”, em que não é possível recorrer à cirurgia, “temos outro tipo de tratamentos, os quais dependem da diferenciação do tumor”.

 

Esses tratamentos, adianta a especialista “podem ser umas injeções que se fazem em cada quatro semanas, que são os análogos da somatostatina.

 

Há ainda outro tipo de fármacos que se podem usar no tratamento dos tumores neuroendócrinos, “normalmente, num passo mais à frente, numa sequenciação de tratamentos”. É que, por terem sobrevivências longas, estes doentes vão sendo tratados com terapêuticas diferentes ao longo do tempo.

 

“Podem começar por fazer as injeções e depois, por exemplo, tomar comprimidos de everolimus ou sunitinib – chamados agentes alvo”, esclarece. Também há quem tenha de fazer quimioterapia e, desde há mais de dois anos, que o IPO Lisboa realiza, no Serviço de Medicina Nuclear, uma terapêutica com radionuclídeos – neste caso os análogos da somatostatina marcados com lutécio. “Com esse tratamento, damos também resposta a doentes de outros hospitais com tumores neuroendócrinos e essa indicação terapêutica”.

 

O tratamento com análogos da somatostatina marcados com lutécio, esclarece Isabel Claro, “tem bons resultados”. No entanto, “depende do tumor ao qual se aplica e da altura em que se aplica”. Por exemplo, é considerado um tratamento de segunda linha, a seguir às injeções, para os tumores neuroendócrinos do intestino delgado, e de terceira linha para os tumores neuroendócrinos do pâncreas.

 

Muitas vezes, o diagnóstico destes tumores é feito num estadio avançado (estadio IV), ou seja, com doença à distância (metástases). “Mas, ainda assim, dependendo das características do tumor, como a agressividade, consegue-se tratar os doentes e manter uma sobrevivência significativa. “Obviamente”, ressalva a médica, “que quando já existe doença à distância a sobrevivência baixa comparativamente quando esta é localizada. Mas isso é o que acontece com todos os tumores”.​​

Mais sobre o serviço de gastrenterologia

 

Os tumores neuroendócrinos, por serem pouco frequentes, representam uma pequena parte do trabalho realizado pelo Serviço de Gastrenterologia. O IPO Lisboa é Centro de Referência para o cancro do esófago, e a “Gastrenterologia tem um papel muito importante nesse contexto, não só em termos de estadiamento, mas também na terapêutica endoscópica de lesões superficiais, na paliação endoscópica e na terapêutica endoscópica de complicações que surgem após a cirurgia”.

 

Além disso, destaca, “como Centro de Referência do cancro do reto​ (que é coordenado pela Gastrenterologia) tratamos muitos tumores do reto. E também tumores do estômago e do cólon, em termos de diagnóstico, vigilância e acompanhamento; uma área que acaba por ser um bocadinho transversal a todo o Instituto”.

 

A Gastrenterologia participa ainda nas consultas multidisciplinares do IPO Lisboa onde são discutidos os doentes referenciados também pelos serviços de Oncologia Médica e de Cirurgia Geral.

 

A​ atividade do Serviço também passa pela Clínica de Risco Familiar, mais concretamente na consulta de risco familiar de cancro do cólon e reto, que teve início em 1994. Aqui “faz-se uma estratificação do risco familiar de vir a desenvolver cancro do cólon e reto e, com base nessa estratificação, por vezes faz-se um diagnóstico genético que leva à identificação de síndromes hereditários.”

 

O mais frequente, segundo Isabel Claro, é o Síndrome de Lynch, mas também há situações de poliposes. Estes síndromes hereditários são depois seguidos na Clínica de Risco Familiar com protocolos de vigilância bem estabelecidos internacionalmente, que passam essencialmente por exames endoscópicos e também radiológicos.

 

Acreditação internacional

 

A especialista lembra ainda que o IPO Lisboa integra, desde novembro de 2021, a Rede de Referenciação Europeia para Síndromes Hereditários com Risco Aumentado para Cancro – ERN Genturis, que tem entre os seus objetivos melhorar o acesso ao diagnóstico, tratamento e prestação de cuidados de saúde de alta qualidade a pessoas com doenças raras e predisposição familiar para o cancro. A candidatura foi coordenada pela Clínica de Risco Familiar.

 

De acordo com a médica, o acompanhamento nas consultas de risco familiar tem apresentado bons resultados no campo da prevenção. “Há uma parte ligada essencialmente à questão das colonoscopias, porque o que se pretende é que com estes exames sejam identificadas as lesões benignas, que são os pólipos, os adenomas, e esses adenomas ao serem eliminados vão efetivamente reduzir o aparecimento do cancro do cólon.” E, no caso do Síndrome de Lynch, com um programa de vigilância muito específico, consegue-se reduzir, quer a mortalidade quer a incidência do cancro do cólon, em cerca de 70%.

 

No Serviço de Gastrenterologia há também tratamentos diferenciados, sublinha-se por exemplo a terapêutica desenvolvida para o Esófago de Barrett: “Desenvolvemos programas de ablação por radiofrequência em casos selecionados e temos continuado a investir nesse campo”. Além desta, “temos também desenvolvido a terapêutica das lesões superficiais do tubo digestivo, quer através dos procedimentos de mucosectomia, quer no desenvolvimento da dissecção da submucosa”.

 

“Também temos a ecoendoscopia, que para além de permitir o diagnóstico por citologia de tumores do pâncreas, é muito importante no estadiamento de neoplasias.” Isabel Claro esclarece que, “além de todo o diagnóstico e terapêutica básica, há uma diferenciação técnica que o Serviço de Gastrenterologia desenvolve.” ​​