No mês que também é das Mulheres, celebramos a força, no feminino, de se fazer a diferença na vida dos doentes.
31 de Março 2023
O que têm em comum Ana Francisca, Isabel Brito Coelho e Filomena Mateus? Além do óbvio – são mulheres –, todas partilham os corredores do IPO Lisboa há mais tempo do que imaginam. Contas feitas, estão entre as profissionais mais antigas deste Instituto e somam memórias que não se esfumam com o passar do tempo.
No mês que também é das Mulheres, celebramos a força, no feminino, de se fazer a diferença na vida dos doentes.
De secretária a Médica
Ana Francisca está a um ano de completar a idade que lhe abre as portas da reforma. Mas há uma porta que não sabe como vai fechar: a do IPO Lisboa, onde está há 50 anos. “Não estou preparada para deixar de trabalhar, depois logo se vê como me vou sentir”, admite a Diretora de Serviço de Ginecologia.
Desde cedo que queria ser médica. Já o sabia desde os seis anos, quando ouvia lá em casa falar tão bem de Francisco Gentil, que tinha operado uma tia. Decidida, aos 18 anos, rumou ao Instituto e pediu para se candidatar.
“Disseram-me que deveria ter referências para entrar na Função Pública”, conta. Sem conhecer ninguém no IPO, foi o padre da igreja que frequentava que lhe valeu. Curiosamente, foi numa segunda-feira de abril de 1973, a seguir a um domingo de Páscoa, que começou a trabalhar…no secretariado da Pediatria.
Dois anos volvidos e logo se candidatou ao curso de Medicina, que foi fazendo em horário pós-laboral. Nunca falhou um ano. Em 1993, terminada a formação, o Serviço de Ginecologia passou a ser a sua nova morada. “Desde o início que sinto o IPO como uma segunda casa”, confirma Ana Francisca. E aqui mora a razão de ser disso mesmo: os doentes. “Eles são a recompensa de tudo. E a nossa missão. Temos de ter a humildade de aprender todos os dias.”
Pelos doentes, tudo
Filomena Mateus conhece bem os cantos à casa e já perdeu a conta aos serviços por onde já passou. A assistente operacional começou como auxiliar na cozinha da Escola Técnica de Enfermeiras, em 1973, depois de uma amiga da família ter sugerido aos seus pais que ela podia vir para Lisboa trabalhar para o IPO.
Menina entre rapazes, Filomena recorda uma infância de poucos estudos na aldeia onde vivia, na zona de Penela, no centro do país. “Eram outros tempos e não dava para irmos todos à escola”, lembra. “Mas lia tudo o que apanhava à mão” e veio a completar os estudos já quando estava, como funcionária interna, no Instituto.
Em Lisboa, casou. No IPO, foi passando por vários serviços até chegar ao Lar de Doentes, onde está há cerca de 28 anos. “Gostei muito de trabalhar na radioterapia. Ali tinha outras responsabilidades e fiz também trabalho administrativo, como as marcações dos exames dos doentes”, conta.
Bons momentos, muitos. Maus, um em especial. Aqui faleceu o marido, doente oncológico, na sequência de um carcinoma no pulmão descoberto em fase avançada. “Está a ver a ligação forte que eu tenho com este IPO?!”, questiona, emocionada. Ao fim de quase 50 anos no Instituto, são os doentes que ela vai guardar sempre como a memória mais importante. “Eles merecem tudo, toda a nossa atenção, a nossa ajuda”.
Cuidar à ‘moda antiga’
“Habituei-me desde logo a que me tratassem pelo apelido”, afirma a Enfermeira Brito Coelho, Isabel de seu nome, o mesmo que nunca ouviu chamarem-lhe no IPO Lisboa, onde começou há cerca de 40 anos. “Era uma forma de diferenciação”, observa a enfermeira, sobre a forma de nomear todas as novas profissionais da Escola Técnica de Enfermeiras.
“Há um fio condutor, criado pela escola de enfermagem, que incide num comportamento protetor, maternal”, relembra a enfermeira que se diz de outra geração, “onde se viam muitas couves (tumores da mama) e as doentes chegavam-nos com tumores mais avançados. Hoje, já por aqui passaram gerações de doentes da mesma família e há maior longevidade, maior esperança de vida”.
Nestas quatro décadas, já passou pelo Serviço de Cirurgia, Cabeça e Pescoço, pela Unidade de Cuidados Intensivos, pela Unidade de Transplante de Medula e, agora, está no Hospital de Dia. Em contagem decrescente para a reforma, a enfermeira projeta um futuro bem diferente, no qual vai finalmente “ter tempo para ler, viajar e aprender alemão”. Do IPO, os melhores momentos que ficam são com os doentes. “Gosto muito de poder cuidar”.