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22 de Novembro 2022

Laboratório de Virologia: 50 anos a ajudar a tratar

Trabalha em estreita colaboração com os serviços clínicos e tem um papel determinante na pesquisa de vírus precursores de cancro ou que infetam doentes em tratamento.

A pandemia de COVID-19 colocou a virologia na agenda mediática. Nunca se tinham visto, ouvido ou lido tantos virologistas na comunicação social como nos últimos dois anos. Mas a virologia moderna é uma realidade desde o século XIX e no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO Lisboa) foi criado já há meio século, como entidade autónoma, o Laboratório de Virologia (LV).

 

Instalada em 1972, a unidade desempenha um papel fundamental no diagnóstico e tratamento dos doentes com cancro. Em especial naqueles que são acompanhados pela Unidade de Transplante de Medula (UTM) e pelos serviços de Hematologia, Cirurgia Geral, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Otorrinolaringologia, Ginecologia e Gastrenterologia.

 

Voltando ao exemplo da pandemia, a experiência nas técnicas de biologia molecular permitiu que o LV se adaptasse às exigências do momento e conseguisse garantir a realização dos testes de diagnóstico SARS-CoV-2 a todos os doentes e trabalhadores do IPO Lisboa, que assim manteve sempre a sua atividade assistencial.

Mário Cunha com a médica Zélia Videira que dirige o serviço de Patologia Clínica, e a restante equipa do Laboratório de Virologia

Mário Cunha, responsável pelo LV desde 2014, destaca o apoio direto prestado à UTM (praticamente desde a sua criação, há mais de três décadas) e ao Serviço de Hematologia.  Atualmente o laboratório integra o serviço de Patologia Clínica.

 

“Começámos por apoiar a UTM por necessidade de monitorizar o citomegalovírus”, conta. Apesar do trabalho até então desenvolvido pelo laboratório ser já notório, como “é a necessidade que aguça o engenho”, foi “a constante necessidade dos clínicos que levou a que o laboratório se fosse apetrechando tecnologicamente e também ao nível dos recursos humanos”, revela.

“Damos apoio direto aos serviços de Hematologia,
Cirurgia Geral, Cirurgia de Cabeça e Pescoço,
Otorrinolaringologia,
Ginecologia e Gastrenterologia.”

Para a UTM, o laboratório pesquisa vírus que podem determinar o sucesso ou insucesso dos transplantes: “Todos os doentes que são transplantados, por autotransplante ou alotransplante, são monitorizados de modo a percebermos se têm alguma infeção por vírus associados ao transplante, porque isso tem um impacto muito elevado no sucesso do seu tratamento”.

 

No Serviço de Hematologia é ao laboratório que cabe verificar a presença de vírus oncogénicos como os das hepatites B e C, o Epstein Barr, o HLTV1/2. “São vírus que provocam ou estão associados a linfomas e cuja despistagem é importante para o tratamento dos doentes”, prossegue o responsável.

 

Outro aspeto importante da atividade laboratorial, diz, é o apoio direto aos serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Otorrinolaringologia e Ginecologia “ao nível da deteção e genotipagem do Vírus do Papiloma Humano (HPV), que está na origem do cancro do colo do útero e também tem relevância crescente em alguns tumores da cabeça e pescoço, em especial da orofaringe”.

Laboratório realiza cerca de 18 mil análises por mês

“O Laboratório de Virologia do IPO Lisboa
foi pioneiro a nível nacional
no estudo do HPV
associado ao carcinoma da orofaringe.”

Também é à Virologia que cabe a responsabilidade das análises aos doentes cirúrgicos do IPO Lisboa, para despistar eventuais infeções por vírus das hepatites B e C e HIV, bem como das dádivas de sangue recolhidas pelo Serviço de Imunohemoterapia, “garantindo que os doentes têm um acesso seguro e rápido aos componentes sanguíneos de que necessitam”.

 

Atualmente são realizadas cerca de 18 mil análises por mês no laboratório. Um número que, segundo o virologista, só é possível de alcançar porque “grande parte destas análises são feitas com processos automatizados”.

A nível externo, sublinha-se a participação no rastreio de base populacional ao carcinoma do colo do útero (provocado pelo HPV) realizado pelos Agrupamentos de Centros de Saúde de Cascais e Estuário do Tejo, em colaboração com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. E as parcerias para ensaios de biologia molecular com outras instituições, designadamente o Centro Hospitalar de Lisboa Central e o Centro Hospitalar de Lisboa Norte.

 

Primeiro laboratório acreditado

 

A importância da investigação do HPV vem desde os anos 90 do século XX, altura em que, com a colaboração do laboratório de Harald zur Hausen (Nobel da Medicina em 2008, pelo estudo do HPV), foi possível ao LV do IPO Lisboa desenvolver metodologia para identificação deste vírus, que foi pioneiro a nível nacional no estudo do HPV associado ao carcinoma da orofaringe.

Aqui também se faz a despistagem de vírus aos doentes que vão ser operados

O início do século XXI trouxe mais inovação, com o desenvolvimento da biologia molecular. “Começamos a expandir o nosso leque de ensaios de biologia molecular com ensaios ‘in house’, uma realidade única porque há 18 anos não existiam kits comerciais para muitos dos ensaios de biologia molecular que iniciámos na altura”, acrescenta Mário Cunha, destacando que este foi o primeiro laboratório de virologia acreditado no país pelo Instituto Português de Acreditação (2005).

“A experiência nas técnicas de biologia molecular
permitiu que o laboratório se adaptasse
às exigências da pandemia
e realizasse testes ao SARS-CoV-2
a doentes e trabalhadores.”

O investigador considera que os próximos desafios na área da virologia virão também da biologia molecular. A sequenciação de nova geração (NGS, na sigla em inglês) poderá proporcionar “quase que uma medicina personalizada”. E explica: “Permite sequenciar não só o genoma do doente, mas também os microrganismos eventualmente presentes. Esta realidade permite-nos estudar os alvos terapêuticos em que podemos atuar de uma maneira mais direcionada e personalizada tendo em conta a patologia presente”.

 

A nível tecnológico, além da otimização dos testes PCR, o virologista também antevê uma evolução da inteligência artificial aplicada ao trabalho laboratorial. “A quantidade de dados de que dispomos é cada vez maior e é preciso integrar esse conhecimento de forma simples e objetiva”.

 

“A probabilidade de virmos a ter outras pandemias é enorme, só não sabemos quando vão ocorrer. É por isso fundamental ter laboratórios bem organizados, estruturados e equipados para a resposta que o país e os hospitais precisam para os seus doentes”, frisa.

Meio século de história

 

O Laboratório de Virologia foi criado em setembro de 1972, sob a direção do médico e investigador António Terrinha. Considerado, à data, uma realidade única no país e constituído por uma equipa multidisciplinar de biólogos, médicos e veterinários, tinha como objetivos o apoio à clínica, com o estudo dos vírus que infetam os humanos e o estudo de possíveis vírus oncogénicos, como o Epstein Barr e o Herpes 2.

 

No final dos anos 80, do Século XX, ganhou projeção internacional. Em colaboração com norte-americano Robert Gallo, do National Cancer Institute, um dos investigadores que isolou o vírus da SIDA, o LV torna-se num dos primeiros laboratórios a isolar o primeiro retrovírus humano, o HTLV1, sob a coordenação da investigadora Ermelinda Cardoso. O LV também viria a colaborar na caracterização do HIV-2 com Luc Montagnier (Prémio Nobel da Medicina, também em 2008). E integrou o projeto “spectrum AIDS causing viroses viruses in man” suportado pelo Nacional Cancer Institute.

Equipa liderada por António Terrinha (à esquerda) no final da década de 80 do século XX

Já no novo século, o LV continuou a dar prioridade à investigação e ao ensino, a par do trabalho para a clínica. Em 2006 foi distinguido com o prémio Boas Práticas da Direção Geral da Saúde e recebeu o prémio Hospital do Futuro 2007/2008 na categoria Qualidade em Saúde, modalidade Acreditação.

 

Para assinalar os 50 anos da unidade, o IPO Lisboa realiza a 23 de novembro uma sessão comemorativa na qual será apresentado o atlas de virologia intitulado “O Esplendor dos Vírus – A ultra-estrutura”, de José Moura Nunes, médico, investigador e co-fundador do Laboratório de Virologia.