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16 de Maio 2022

A Medicina Nuclear não se esgota no diagnóstico

Serviço realiza oito mil exames de diagnóstico por ano, mas tratamentos também são uma parte importante do trabalho e a área terapêutica é uma das que mais está a evoluir.

Quando se entra no Serviço de Medicina Nuclear do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO Lisboa), situado no primeiro edifício a ser construído no complexo quase centenário e o primeiro Serviço de Medicina Nuclear português, a maior afluência dos utentes destina-se à “ala direita” onde se realizam os exames de diagnóstico. São aqui feitos cerca de oito mil por ano. A equipa multidisciplinar é constituída por 45 funcionários, entre médicos, enfermeiros, técnicos de medicina nuclear, físicos médicos, radiofarmacêuticos, assistentes operacionais e assistentes técnicos.

 

As grandes máquinas que realizam os exames PET (nome pelo que é mais conhecida a tomografia por emissão de positrões) são as mais imponentes, mas o Instituto também está dotado de câmaras Gama para outros tipos de exames. A última atualização tecnológica do serviço foi na área da Medicina Nuclear Convencional, com a aquisição de um equipamento SPECT-TC em 2018, explica a médica Lucília Salgado, diretora do Serviço de Medicina Nuclear. Com estes equipamentos o IPO Lisboa realiza “desde técnicas de cardiologia, neurologia, oncologia, pneumologia… Temos um leque muito amplo para trabalhar com toda a medicina”, acrescenta.

 

No diagnóstico por PET (Positron Emission Tomography) – cujos equipamentos mais recentes estão acompanhados de TC (Tomografia Computorizada) que permite um exame mais completo – a grande maioria dos exames destina-se à oncologia. “Também temos áreas emergentes que estão a ser trabalhadas, como as inflamações, infeções, infeções vasculares, áreas muito de «nicho», mas também importantes pela resposta que conseguimos dar”, prossegue a especialista.

LUCÍLIA SALGADO

Mas é no lado oposto do edifício que a Medicina Nuclear regressa à sua génese e é usada no tratamento de várias doenças, nem todas oncológicas. Em média são feitos 400 tratamentos por ano, que chegam aos 500 se se contar com os doentes tratados em ambulatório (por exemplo, situações de hipertiroidismo). É também por aqui, na área terapêutica, que passa o futuro desta especialidade.

 

“A maior evolução neste momento é realmente na área do tratamento oncológico”, antecipa Lucília Salgado. A Medicina Nuclear terapêutica deu os primeiros passos no tratamento de problemas da tiroide, o que ainda se mantém. “Continuamos a ter disponível esse tratamento para os tumores diferenciados da tiroide com iodo131, mas, progressivamente, têm-se vindo a juntar outros tipos de tratamento, nomeadamente nos tumores neuroendócrinos (desde 2019), nos neuroblastomas (tumores mais frequentes nas crianças, que também já fazemos há vários anos), nos feocromocitomas malignos metastáticos e agora estamos à espera de outra grande novidade que será a terapêutica nos tumores da próstata”, revela. Mas talvez só dentro de um ou dois anos é que este medicamento deverá ficar amplamente disponível.

 

A Medicina Nuclear tem ainda disponíveis várias terapêuticas paliativas para a metastização óssea. “Não se pretende curar a doença. É um tratamento para controlar sintomas, para controlar a dor”. E fora da oncologia também aqui se tratam patologias benignas, como o hipertiroidismo, as hemartroses nos doentes hemofílicos, ou as dores articulares nas artrites reumatoides.

 

Proteção radiológica

 

Alguns doentes tratados em Medicina Nuclear têm de ficar internados. À necessidade de vigilância médica e de enfermagem durante a terapêutica, juntam-se as “razões de proteção radiológica” sublinha a médica. Para os tumores da tiroide normalmente são necessários dois dias. Nos neuroendócrinos, os doentes dormem apenas uma noite. E o tratamento dos neuroblastomas obriga a um internamento de cinco dias.

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“No caso da pediatria, quando temos uma criança internada, chamamos à colaboração os pais ou os avós. Preferencialmente os avós, que já são mais velhos e, portanto, em termos de proteção radiológica faz mais sentido. Ficam com a criança durante o dia, mas não dormem no quarto. São monitorizados, vamos vendo qual é a radiação a que estão a ser expostos, são instruídos no sentido de cumprir determinadas regras para a sua própria proteção radiológica” conta, acrescentando que “é tudo pensado e feito segundo as normas internacionais”.

 

Destacando que os tratamentos de Medicina Nuclear são, habitualmente, “muito bem tolerados”, e com “efeitos adversos reduzidos”, Lucília Salgado esclarece que, no entanto, podem verificar-se efeitos secundários, enquadrados no chamado “síndrome agudo de irradiação”. Mas estes efeitos, nomeadamente náuseas e até vómitos, são facilmente resolvidos com medicação adicional.

 

O serviço dispõe de quarto quartos para o internamento destes doentes, cujas obras de remodelação terminaram no início do ano. A responsável salienta a adaptação das casas de banho que ficaram dotadas de características hospitalares, em termos de dimensão e de equipamento. Os quartos foram pintados e mudada a iluminação.

 

Serão ainda instaladas bancadas de secretária, “para as pessoas também poderem usufruir de um ambiente simpático se quiserem fazer algum trabalho ou distrair-se sem estarem deitadas”. As obras estiveram a cargo da Gestão de Instalações e Equipamentos, do IPO Lisboa, serviço dirigido pelo engenheiro Filipe da Silva.

 

Estes quartos também são usados pelo Serviço de Radio-Oncologia, para internamento dos doentes tratados com braquiterapia prostática.

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Fontes não seladas

 

Quer na realização de exames PET, quer nos casos dos tratamentos, são administrados radiofármacos. Na terapêutica, a radiação é conduzida pelo fármaco que vai ligar-se a recetores ou vai ser internalizado na célula, mas é a radiação “que vai destruir as células que não nos interessam. Porque são oncológicas ou porque são células inflamatórias que estão a causar problemas”.

 

No caso dos exames, estes radiofármacos não têm ação medicamentosa. A dose administrada apenas de destina ao diagnóstico. “Passam pelo corpo dos doentes e não têm impacto. Saem de uma forma praticamente inalterada. Senão, nós não estaríamos a fazer um verdadeiro diagnóstico. Se estivéssemos a alterar alguma coisa com a passagem deste produto (pelo corpo do doente) não estaríamos verdadeiramente a estudar o que lá se passa”, diz Lucília Salgado.

 

Ao contrário da imagiologia e da radioncologia, em que a fonte radioativa está selada dentro dos equipamentos, na Medicina Nuclear são os doentes que a recebem quase sempre por via endovenosa. “No caso da radiologia, se for fazer um raio X ao tórax só recebe a radiação quando o aparelho abre e a radiação passa através de nós. Fora isso, estando fechado esse sistema, não vem radiação cá para fora”, acrescenta.

 

A especialista exemplifica com uma observação aos rins: “Nós temos dois. Se um não funcionar, a ecografia vê dois rins, a TAC vê dois rins, mas nós só vemos um, porque não vemos o que não funciona”. Ou seja, as técnicas de Medicina Nuclear detetam se as células estão vivas ou não. “Em muitas situações conseguimos ter o primeiro exame a dizer que um tumor já está tratado”.

 

De acordo com a médica não existe limite ao número de exames que um doente pode realizar, mas deve ser tida em conta a proteção radiológica do doente. Existe sempre o conceito de que o benefício, que o doente vai ter com o exame, tem que exceder o risco. Isto é uma responsabilidade conjunta do médico que prescreve o exame e do médico que o realiza”.

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Equipamentos e inovação

 

O IPO Lisboa foi o primeiro hospital público do país a instalar um aparelho de tomografia de positrões, em 2003. Uma década depois, investiu na tecnologia superior, PET-TC. Atualmente, o avanço tecnológico está a trazer os equipamentos de PET digital. “Melhoram a resolução e a rapidez. E em Medicina Nuclear a rapidez acaba por ser importante, porque os nossos exames são demorados”, adianta.

 

Os novos aparelhos podem detetar massas mais pequenas, de um a dois milímetros, quando os equipamentos atuais detetam massas a partir dos três milímetros. E quanto ao tempo, os exames obrigam a que os doentes estejam deitados imóveis cerca de 30 minutos, mas pode levar até uma hora. Tempo que será reduzido nas máquinas mais recentes. Outra mais-valia é a diminuição da dose de radiação necessária para o exame de cada doente, aumentando assim a sua proteção radiológica.

 

Além da evolução tecnológica, a médica antecipa que no futuro venham a surgir novos produtos que permitam detetar a eficácia dos medicamentos no tratamento dos tumores, melhorando a eficácia terapêutica. E, por outro lado, o desenvolvimento de radiofármacos mais específicos. “O nosso sonho era mesmo que, quando nós quiséssemos tratar um tumor, só o tumor é que captasse aquele radiofármaco. Isso era o ideal: uma sensibilidade grande e uma especificidade total, o que não é possível ainda”.