“Homens desta raça projetam e realizam sozinhos o que gerações inteiras apenas conseguem ambicionar.”
Fernando Namora, in Francisco Gentil 1878-1964

“O doente em primeiro lugar”
Francisco Gentil
A luta contra o cancro em Portugal é indissociável do nome do fundador do IPO, Francisco Gentil, uma das mais notáveis figuras da medicina portuguesa, cirurgião prestigiado, com um marcado sentido de serviço público, uma capacidade de fazer acontecer e uma visão pioneira muito à frente do seu tempo.
O seu legado perdura até hoje no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, em Lisboa, Porto e Coimbra. À sua visão devem-se uma abordagem específica do cancro em Portugal e a implementação de objetivos inovadores de investigação, ensino e assistência a doentes. Mas não só: foi um forte impulsionador da formação, ensino e exercício da enfermagem, a tal ponto que, em 1940, criou a Escola Técnica de Enfermeiras (mais tarde Escola Superior de Enfermagem Francisco Gentil), a primeira no país a oferecer um curso de três anos a exigir como habilitação prévia o 2º ciclo do curso dos liceus.

Francisco Gentil foi também o mentor da criação da Liga Portuguesa contra o Cancro, ao perceber rapidamente que instituições como a que fundou precisam de grande apoio da sociedade civil para cumprirem os seus objetivos. É também ao fundador do IPO que se deve a criação, em 1957, de um Serviço de Saúde para o Pessoal, o primeiro Serviço de Saúde Hospitalar do país.
A visão de Francisco Gentil ia tão à frente do tempo em que viveu, que só 60 anos mais tarde é que a União Internacional contra o Cancro e a Organização Mundial de Saúde emitiriam orientações e definições que já eram postas em prática no IPO desde a sua fundação.
O escritor e médico Fernando Namora, que trabalhou com Francisco Gentil no IPO, dedicou-lhe uma biografia em que destaca a sua obra, e a sua personalidade vigorosa: «E mestre Gentil permanece porque foi arquiteto, obreiro e dinamizador de uma empresa que desafia um gigante: a luta contra o cancro em Portugal. Partindo do nada, e num meio que se apavora das iniciativas, ele, de tenacidade em tenacidade, usando da sagacidade e altivez, armas do seu prestígio, ergue um Instituto de Oncologia. Tinha um agudo instinto da oportunidade e um apuradíssimo conhecimento dos homens: para os converter nunca, porém, se dobrou, nunca lhes serviu a bandeja da humilhação ou da lisonja: impunha-se como soberano que concede mercês em vez de as aceitar».

«O doente em primeiro lugar» era a máxima a que Francisco Gentil não permitia que ninguém fugisse. Fernando Namora também sublinha esta preocupação do fundador do IPO:
E ai de quem não as respeitasse. Conta-se que Francisco Gentil dizia logo «Estrada de Benfica!» e tal pessoa não mais voltaria ao instituto. Na época, era comum os doentes serem «recomendados» por alguém. E um dia, durante a visita do médico aos doentes, havia um que não tinha recomendação. Francisco Gentil virou-se para os seus colaboradores e disse: «Este doente é recomendado do diretor!» E assim passaram a ficar os doentes que não eram recomendados.
A sua forma de estar, informal e muito próxima dos doentes, conduzia por vezes a situações caricatas. Quando acabava de operar, ia à enfermaria ver os doentes operados, ainda com a bata e o barrete branco que usava no Bloco Operatório. Consta que uma vez, ao vê-lo ainda com essa «farda», um doente disse ‘este hospital é tão bom que todos os dias vem cá o cozinheiro ver se a comida
Ao ser-lhe permitido erguer o IPO, por Decreto do Governo de 1923, Francisco Gentil pôs em prática as suas ideias e a visão do que deveria ser um hospital moderno, dedicado aos doentes e à investigação das doenças, preocupado com o ensino e com todos os colaboradores que complementam a missão do médico: «O IPO não pretendeu nunca monopolizar o tratamento dos cancerosos ou o estudo complexo dos vários aspetos científicos ou sociais da oncologia, mas quer congregar todos os esforços honestos que tendam a criar um conhecimento perfeito da doença e uma assistência condicionada pelos deveres de humanidade que sempre nos orientaram (…) e aí temos, país fora, a vida precária de muitos hospitais, a provar a necessidade de organizar alguma coisa onde haja renovação constante, ritmo de aceleração progressiva, e podendo viver dentro de normas onde os ‘deveres’ não abafem os ‘direitos’ que, em regra por ausência de senso crítico, tudo fazem para deturpar, prejudicando uma obra que só deve ter como guia princípios de humanidade ».
Algumas das suas ideias deveriam ainda hoje ser motivo de reflexão. Dizia Francisco Gentil que «os nossos hospitais não são suficientemente ricos para comprar coisas baratas». E ainda: «o que custa caro não é fazer, mas manter». O primeiro lugar que examinava quando queria avaliar um hospital era a cozinha: «Se a cozinha está bem arranjada e limpa, o resto certamente também está bem». Nas palavras de Fernando Namora, «o seu olhar via longe e diferente. Tudo o que projetou e reduziu a esquemas precisos há vinte ou trinta anos, inovações temerárias, não foi desmentido pelo tempo: a sua atualidade é flagrante, respondendo surpreendentemente aos que os factos vieram impor e demonstrar».
Dados Biográficos
Outros fundadores
À génese e fundação do IPO, estiveram associados quatro notáveis professores da Faculdade de Medicina de Lisboa que, com Francisco Gentil, integraram a primeira comissão diretiva do Instituto. Falamos de Henrique Parreira, Marck Athias, Bernard Guedes e Raposo de Magalhães.